Envelhecer em casa, com autonomia, segurança e conforto, é o desejo de grande parte da população. Contudo, o lar, muitas vezes, não acompanha as mudanças naturais do corpo. É nesse ponto que a Geroarquitetura e o Ergodesign entram em cena, transformando espaços em aliados da saúde e da qualidade de vida. Para aprofundar o tema, entrevistamos Juliana Gai, fisioterapeuta, ergodesigner e gerontotecnóloga. Ela explica como o planejamento do lar é a chave para o conceito de Ageing in Place – o envelhecimento saudável no próprio lugar onde se vive.

O cuidado integrado: fisioterapia, ergodesign e geroarquitetura

Juliana Gai sentada em ambiente elegante, com decoração de chandeliers e poltronas clássicas
Juliana Gai (Foto: Divulgação)

Juliana Gai define a integração de sua área de atuação como cuidado Integrado.

“A fisioterapia entende o corpo que envelhece;  a ergodesign traduz essas necessidades para objetos, rotinas e mobiliário; e a gerontotecnologia complementa com tecnologias assistivas inovadoras,” explica.

E onde a geroarquitetura se encaixa? Ela é quem costura tudo isso no espaço físico. A geroarquitetura, portanto, cria “casas que cuidam”: ambientes que previnem quedas, facilitam movimentos e preservam a independência funcional por mais anos.

O objetivo é claro: garantir que a pessoa idosa permaneça com autonomia e segurança em seu próprio lar. Segundo a especialista, casas adaptadas são essenciais, pois além de atenderem às necessidades do morador e preservarem sua independência, elas previnem acidentes domésticos que poderiam levar à dependência de cuidados, beneficiando até mesmo os cuidadores em estágios de idade muito avançada.

Os perigos invisíveis da casa não adaptada

Apartamento pequeno pouco iluminado com iluminação fraca, móveis simples e iluminação de um único ponto de luz
Imagem gerada digitalmente

Com o envelhecimento, há uma redução natural da força, equilíbrio e velocidade de reação. Em um lar não planejado, isso se traduz em grandes riscos. A Dra. Juliana aponta os perigos mais comuns:

  • Quedas: Causadas por tapetes soltos, pisos escorregadios ou desníveis.
  • Iluminação insuficiente: Prejudica o acesso e aumenta o risco de tropeços.
  • Mobiliário inadequado: Móveis instáveis, muito leves ou com quinas de vidro.
  • Banheiros sem segurança: São os locais onde mais ocorrem quedas.

Para a Juliana, o corpo envelhecido deve ser a “planta baixa” de qualquer projeto. Ou seja, é importante colocar as necessidades físicas e funcionais da pessoa idosa no centro do planejamento arquitetônico.

“Alturas devem ser planejadas para reduzir esforço; superfícies antiderrapantes são obrigatórias; trajetos devem ser curtos e desobstruídos; e tudo deve ser fácil de ver, alcançar e manipular.”

Adaptações funcionais em ambientes chave

A adaptação não exige reformas radicais, mas sim atenção aos detalhes e à ergonomia.

Banheiro: segurança de alto impacto

Banheiro com segurança para idosos equipado com barras de apoio, piso antiderrapante e espaço acessível
Imagem gerada digitalmente

O banheiro merece atenção máxima. Além das clássicas barras de apoio, a especialista recomenda intervenções de baixo custo e alta eficácia:

Piso e tapetes: Use tapete antiderrapante fixo no box e fora dele. Para isso, você pode usar fita antiderrapante em áreas molhadas.

  • Apoio: Lance mão de uma cadeira plástica estável para banho (de lojas especializadas, nunca de praia) ou bancos fixados.
  • Elevação: Faça uma elevação simples do vaso sanitário para reduzir o esforço ao sentar e levantar.
  • Mobiliário: Nichos ou prateleiras na altura dos ombros, evitando agachamentos. Jamais use vidro.

Quarto: Equilíbrio entre descanso e segurança

Quarto leve e moderno com cabeceira acolhedora, iluminação suave, decoração minimalista e tapete vermelho
Projeto Casa 70+, de Juliana Gai e Sergio Augusto (Foto: Divulgação)

O quarto precisa ser um santuário de segurança e descanso.

  • A cama deve ter altura entre 45 a 60 cm para facilitar o ato de levantar. O colchão não pode ser nem muito macio (dificulta o controle postural) nem muito firme.
  • Interruptores devem estar ao lado da cama e na entrada. Uma luz de vigília (LED âmbar) no trajeto até o banheiro é crucial para reduzir as quedas noturnas.
  • O mobiliário deve formar corredores amplos e sem quinas, com portas de correr ao invés das de giro.

Cozinha e lavanderia: redução de esforço

Mulher idosa carregando a porta da máquina de lavar roupas na cozinha, promovendo redução de esforço na lavanderia.
Foto: Rawpixel.com/ Shutterstock

O foco é reduzir movimentos repetitivos, agachamentos e rotações.

  • Cozinha sensorial: Além da ergonomia, a cozinha precisa ser previsível. Iluminação homogênea e cores contrastantes nos utensílios ajudam a evitar confusão visual. Torneiras monocomando e puxadores do tipo alça são ideais para mãos com pouca força ou artrose.
  • Eletrodomésticos: Para máquinas de lavar, prefira a abertura frontal ou, se for de abertura superior, instale-a em altura ergonômica com adaptações. Varal deve ser de piso ou retrátil instalado na altura do ombro.

Cores e Gerontotecnologia como ferramentas de prevenção

A redução da percepção de profundidade e contraste com a idade exige que o ambiente “ajude” o morador a se orientar.

  • Pisos e paredes com cores diferentes aumentam a percepção de limites. Degraus e quinas devem ter fita ou pintura contrastante.
  • Textura: Superfícies foscas reduzem o ofuscamento visual.

A Gerontecnologia complementa o cuidado sem invadir a privacidade. Por isso, invista em:

Idosa usando smartphone com tecnologia assistiva para envelhecimento ativo, promovendo integração digital e bem-estar na gerontecnologia.
Foto: Prostock-studio/ Shutterstock
  • sensores de gás e fumaça;
  • assistentes de voz para ligar luzes, lembrar medicamentos e pedir ajuda;
  • fechaduras digitais sem necessidade de chave;
  • apps simples de monitoramento familiar; câmeras
  • tomadas inteligentes para desligar eletrodomésticos esquecidos;
  • câmeras internas discretas (quando consentido pelo idoso).

O risco da adaptação da geroarquitetura e ergodesign no estilo “faça você mesmo”

O ponto mais crítico, segundo a Dra. Juliana, é a falta de orientação profissional.

“O maior risco é criar um ambiente que parece seguro, mas não é, porque não considera biomecânica, cognição, sensorialidade, marcha e comportamento da pessoa idosa.”

Adaptações feitas sem avaliação técnica, como barras instaladas em locais errados ou pisos inadequados, podem criar uma falsa sensação de segurança, que é uma das maiores causas de acidentes. Além disso, a falta de treino para o uso de novas tecnologias ou acessórios pode aumentar o risco em vez de diminuí-lo.

Prioridade e qualidade de vida

A geroarquitetura e o ergodesign são mais do que estética ou luxo; são investimento em saúde preventiva e qualidade de vida. “Ambientes planejados para o envelhecimento não são luxo – são saúde pública, prevenção e qualidade de vida. Adaptar a casa com orientação profissional significa preservar autonomia, reduzir riscos e garantir que o idoso permaneça vivendo bem no lugar que ama: o próprio lar,” conclui Juliana Gai.